sexta-feira, fevereiro 12, 2016

12 de fevereiro

E de repente com o milton nascimento no meu colo,
eu me senti em casa em Pamplona.


Vai entender.

terça-feira, fevereiro 09, 2016

sobre touros e outras moléstias

Levei as tesouras da cozinha, sujas, mas afiadas, para a habitação.
A falta de janela mirava com seriedade a minha tentativa patética de criar uma vida.
Todos os dias, a cama, desarrumava e depois eu arrumava.
Por que todos os dias voltar a fazer a ação que pedirá a ação contrária e assim por diante numa cadeia sem sentido?
No mínimo faço 3 refeições por dia. E durmo 8 horas, 10 se possível. Em alguns lugares meu apelido é marmota. Gasto um terço do meu dia nesse exercício exagerado, e muitas vezes, quando desperto, não chego a entender o que de mais importante teria a fazer.
Uma mistura de depressão, estupidez e normalidade, acho.

9 de febrero, mais um dia comum. Tirando o fato de que estou em Pamplona, onde parece que houve ou há alguma paixão em machucar animais, e eles falam uma lingua que não parece em nada com nenhuma outra. Tirando o fato de que não nos falamos. A partir disso surge uma espiral de imagens sem nenhum outro nexo que um certo aperto.

Trouxe as tesouras para o quarto. Ela é uma perfeita metonímia dessa casa de homens. Funciona, mas está sempre suja.  Fica ali do lado do secador de louça, numa área que parece feita de sobreposições de poeira arqueologica. Desde o século XIX. Trouxe as tesouras para o quarto, não sei se com coragem ou pura e dura burrice. Ali eu preparo a bolsa com os pequenos presentinhos para te mandar. Cartas de muitas datas, carinhos insignificantes em forma de chocolate, alcool e papel. Recordações já meio nebulosas de ingressos de cinema usados. Tudo feito com cuidado, como se o amor se transportasse não no significado de cada coisa, mas numa qualidade invisível, porém palpável, criada nesse ritual de preparação. Eu trouxe as tesouras. Quando você estava aqui tiramos uma foto juntas naquelas máquinas cafonas. Os flashs começaram a bater, e não sabiamos muito bem o que acontecia. Ao final nos beijamos, algo entre performance e documentário. Com as tesouras eu separei o nosso nós despistado, do nosso nós nos beijando. Coloquei a foto em que estavamos com cara de perdidas na sua bolsa. Você preferia essa, mas mesmo assim, me senti sugerindo algum tipo de coisa, que agora, 15 dias depois, sinto receber a fatura.
Ontem você recebeu meu pacote. Eu pedi para o meu pai, sem dizer palavra, que ele demorasse mais. Queria esperar um tempo em que você pudesse aproveitar o amor que tenho por você, com amor de você para mim. Ele não me ouviu, talvez por imaginar que na verdade eu tinha uma pressa que não estava ali.
Você me mandou algumas mensagens. Alguns emoticons. Emoticons são as sementes transgênicas dos amores modernos. Frases também. Não senti nenhuma pulsação em nada. Claro que te deixava feliz. Quem não ficaria feliz com um pacote desses recebido numa manhã de ressaca? Mas não foi uma alegria o suficiente forte para te mobilizar a me ligar, a demonstrar qualquer outra coisa, a transponer a linha opaca do bom senso. Eu aqui esperei. Esperei o inverno surpreender uma primavera, e me frustrei, contida, com o frio que continuava ali.
Não sei o que você achou das fotos. Não chegou a me dizer. Próxima coisa foi para um bloco de carnaval se perder, e depois numa viagem sem sinal, sem sinal. Fade out estupido de um amor que teria mais para dar.

Em pamplona não há carnaval. Aqui as coisas abrem do meio dia as duas. Depois das 7 as 9. E nos outros horários todos dormem. Cidade fantasma cheia de chuva, frio. De praças abertas onde o vento aproveita a corrida. Pintxos e corridas de touros. Hoje vi cinco filmes, li, editei videos, escrevi como há muito tempo. Talvez tenha sido um dia bom. Chorei escondida no escuro do festival de documentarios. Como um trabalho, de limpar o dentro da suciedade da tristeza. Os filmes acabam. Recomeçam. São como estrelinhas também, confundidas e fudidas nessa galaxia sem sentido que participamos. As vezes te busco em alguma alegria. Busco nas nossas mensagens algum amor. Não encontro nada no último mês, frases como "encarar o desejo por outras pessoas de frente" terminam de fustigar. Saio do cinema começa a chuviscar.
As vezes olho o celular. Antigamente ele não existia, e isso me acalma. Você nada diz todo o dia, e mesmo que eu saiba, teimo em olhar.

Eu tampoco digo nada, e a suspeita de que talvez pela primeira vez o amor tenha diminuido e não seja mais o hércules insensato que segura o meu despreparo e o seu egoismo, faz com que saltem gotas em todo meu rosto. Agora já não há escuridão, a coragem necessária do dia claro dá medo e coragem.

domingo, janeiro 24, 2016

acontece um horror.
na minha tristeza uma solidão acotovela
algum tipo de ruim,
que se instala.
cinza denso num cotiadiano disperso.

hoje ocorreu uma cena feia.
a amiga carregando pelo cabelo a outra.
na hora do descuido, da fragilidade, da verdade,
a outra na dureza explicita.

que coisa crua, explicita.
me encheu de briga e de saudade,
de crueza e sanidade.

pensei...
dessa não quero ser mais amiga.
e me lembrei da minha propria sensação de solidão.
afundada. exorcismo. areia movediça, tempo: construção.

quarta-feira, agosto 05, 2015

abundancia e medo

agosto é pleno verão. as axilas se compadecem de mar. caracóis vislumbram os olhos das pessoas.
vermute com campari. a perna direita da mulher que já não é mais. o gosto adstringente da comida asiática.
abundância e medo.

segunda-feira, março 23, 2015

soslaio

eu sei que ela olhou para aquela pedra parada no meio de tudo - montanha mata medo - e pensou no meu rosto. por que estavamos naquela fase em que qualquer superficie é matéria projetiva bastante, e não basta trocar calores afetos umidades languidas.
queremos mais, marcas de quase sangue na pele, um sapato emprestado, olhar de lado, beijo no soslaio da boca.

sexta-feira, março 20, 2015

encosta

a encosta anoitecia pelas beiradas.
o vento salgado crispava o resto 
de sol,
acossando a sul.

o barulho umido de mata atlantica,
os jaburus, besouros inofensivos, 
peixes, filhotes de peixes.

o lusco fusco é o quando
se o tempo para.
ou liberta
ou prende.
nas matizes do bem azul
ao rosa laranja e escuridão.

esperei o dia todo no sol.
a pele curtida.
atritada no vão das pedrinhas de areia,
pontilhão de quenturas emancipadas.
a pele a noite vibra
calores passados.

ela veio somente no parar do tempo.
trazia uma pequena canoa nas costas
vagarosa e vasta.

quando chegou ao meu lado 
depositou a embarcação na beira mar
e sorriu
como que dizendo - é sua.

a canoa era toda beirada
e o fundo era o próprio mar.
não seria capaz de levar a lugar algum.

olhei para seus olhos de novo.
sua calma mordiscava a pontinha dos meus dedos.

era de outra travessia 
ela dizia.

então demoramos ali,
esperando o inimaginável 
que poderia nos demover
do durar
que ela cavou para nós.




sábado, novembro 01, 2014

enquanto você falava mil palavras
o amor me distraiu:
caiu uma estrela na minha sopa.

sexta-feira, outubro 31, 2014

a tristeza hoje me tirou para dançar
como quem pendura um cabide na porta
e sai para nunca mais voltar.

quinta-feira, outubro 30, 2014

mulher o que é

que mulher seja tudo:
em ventania
não existe direção.

ou não seja alguma coisa:
ar parado
não se pega com a mão.

se mulher é algo
eu sei,
mulher no mar
é contramão.

sexta-feira, outubro 24, 2014

parada

meu sangue arde parado em qualquer esquina do meu corpo
formiga grita queima
meu pé esquerdo parece um peixe morto

meu direito respira.

quarta-feira, outubro 22, 2014

quinto metatarso

O vento aconselha com suas patas de ar,
Sussurra (cem) palavras no meu ouvido
O meu osso
Me olha discretamente

Acha voar tolice.

segunda-feira, outubro 20, 2014

xerez

As vezes no silêncio me esqueço de você.
A escuridão entra por todas as frestas da sala.
Meu coração sentado na poltrona
espreme flores e bebidas fortes.

sábado, agosto 02, 2014

pássaros e outras bestas


vôo.
depois do calor súbito que dá
a ausência de vento sobre a pele
a sua carne me inunda uma tristeza.
de longe te vejo
outras alegrias
e a minha nossa alegria
virando um pássaro pequeno
e apequenando
pequenando
até virar sósonho.

domingo, junho 29, 2014

minha alma sempre voou pelo extase,
nas ondas de uma paixão dilacerante,
das alteridades dos estados,
nas praias impossíveis desse brasil.

agora está com saudades
desse vôo calmo que aprendeu,
distinguindo as alturas,
voar sem perder o pé.

terça-feira, maio 20, 2014

nascente

mentiras esculpidas no seio da saudade,
são suas idiossincrasias que vem me saudar.
do longe  fomento essa solidão repleta
com fatos delicados costurados em linha branca.

ficções e outras prosas corrompem
o fio infame da verdade
porém inflam de ar quente
o ventre tardio do querer.

e se no meio da tarde
rompe
a linha tenue
que desenhei
entre eu e você
e me entrega
embrulhados
os fatos todos inventados
em papel jornal
ai o amor desabrocha
como a água explode
de dentro da terra
sem avisar ninguém.

quarta-feira, maio 07, 2014

frieza

o gelo bem fino que se rompe se parece com vidro,
mas corta de frio e não de ponta.
o gelo que vira água
e escorre pelo seu corpo que é quente,
seu corpo que muda,
mas que é sempre mais quente que o gelo,
mesmo triste,
mesmo louco.

o gelo que dói a pele.
o gelo que emprazera o calor.
o gelo na sua bebida.
o gelo entre nós.
derretendo.
nas nossas peles quentes.
sempre mais quentes que o gelo.
mas sempre a derreter.
como se também o frio fosse infinito.
e nós duas estivessemos para sempre presas
nessa geleira escaldante, desértica, infernal.

terça-feira, abril 29, 2014

gêneros

mulher,
a delicadeza da terra se abre na chuva,
e o prazer dilacerante
de ser semeado.

mulher é coisa subversiva. é calma onde a lingua é fúria. é tufão onde o acordo é tácito.
mulher é charme indivisivel, sutileza de éolo em cabelo,
praia lunar do corpo nu.

mulher é saudades de todas mulheres.
pois mulher é coisa inapreensível.
pertence somente a si mesma.

homem é certeza calma.
é tronco de árvore
não é a água que brota do chão (mulher)
mas é as folhas que nela navega.

ser mulher é uma questão de poesia,
não de corpo.
ser -se homem é questão de alegria,
contemplação da mulher,
e de outras prosas poéticas.




segunda-feira, abril 14, 2014

leviatã

quem me avisou foi ele.
a noite pingava as horas gota por gota na minha xícara de café
e ele precisou gritar para que eu entendesse.
graças a deus o dia começar a nascer
e essa é sempre uma prova,
por mais estranho que tudo esteja,
que as coisas estão sempre preparadas para mudar.
ele gritou meu nome em ondas de tinta.
verde e violeta escuro.
eu não cheguei a entender
quando ele começou a vomitar
os contornos,
as hachuras,
as texturas.
ele disse calma e simplesmente que talvez não fosse o suficiente.

eu não chorei.
essa época eu já não chorava mais.
aguentava estoica as poucas certezas da vida.
as certezas dificeis.
eu não lembro direito o que eu fiz.
acho que gritei para ela vai a merda.
gritei pela mediocridade do seu corpo nesse mundo.
pela dança pouca merda que ela propunha naquela noite sem sal nem frio.

ele me compreendeu.
o pior é que sempre me compreendia.
no mar da total incompreensão partimos.
ainda não sei para onde.

o mar causa nausea.
apaga o fogo discreto de qualquer esperança.
ele sequer pega minha mão.
diz que pode cultivar receios.
de mim ele espera coragem de aço.
e eu tento entregar.
não sei se estamos a caça de um leviatã.

a embarcação parece ébria.
e espero.

sos

Domingo  a noite. Suspeito pra falar. Domingo é um dia que nasceu sem testa. Um dia esquisito. Que não segue as regras desse mundo besta em que tudo é dever ou prazer. Domingo não é nada disso. E a negada fica perdida. Hoje acordei meio na desilusão. Sensação de que as coisas em que acredito vão morrendo devagarinho. Brutal mesmo. Como um gato preso dentro de uma casa em que a água e a comida estão pra acabar.
Inspiro um ar cheio de uma coragem que invento, e adianta. Pouco, mas adianta.
Eu acredito na coragem. Na honestidade. Na tentativa. Eu acredito na alegria. Sem duvida. Acredito no amor. Acredito que tem um fluxo suave e gentil capaz de levar tudo e todos para um lugar bacana.
Acredito que ser verdadeiro sempre vale a pena.

Não tem valido. Pelo menos é o que me parece. Talvez seja a longo. Mas longuissímo mesmo prazo. Por que por enquanto, nada. Muitos babacas pegando o atalho. Muitas respostas a pequenas sinceridades com arrotos de mesquinharia. E eu, sei lá. Me sentindo perfeitamente sozinha aqui no meio dessa multidão. Na verdade acho que sempre me senti. Foram com poucas pessoas na minha vida que me senti em casa. Dez. Por aí.

To meio dessa descrença total fico esperando qualquer ruído, qualquer luz intermitente. Qualquer zumbido que possa denunciar hippies loucos, ets, galera do futuro. Qualquer pessoal mais bacana que possa vir aqui me resgatar.


terça-feira, abril 01, 2014

um homem com uma dor....

uma dor que existe penso que existe. porque existindo doi. e então se doi. é por que existe.
uma dor que existe não é libertação.
libertação é uma dor ir deixando de existir.
mas toda dor por ter sido dor continua existindo um pouquinho.
ou toda dor por ter fim
também é um pouco uma dor não existente.

uma dor sente-se onde?
no corpo.
principalmente.
mas também em outros lugares.
acredito em tudo a principio.

essa dor doi no timo.
mas reflete na barriga.
dá choque antes da dor doer.
e parece que meu corpo gira que nem um saca rolha.

acho que a rolha que sai é a minha vida comum
que não deixa a dor doer.
por que deixar dor doendo é coisa de gente besta meu deus.

podia sair vinho.
mas não sai.
fica saindo uma angustiazinha.
uma tristeza.
um negocinho cinza
e não sei o que fazer com ele.

a raiva eu acalmo.
não tem nada que ver.
a tristeza eu remedio.
a dor eu passo.

eu passo por ela,
mas ela não passa por mim.
se esconde.

e a cada terceira quarta feira do mês explode nas minhas mãos.

acho que todo mundo doi.
deve ser.

mas vamos deixar isso pra lá.

sábado, março 01, 2014

aprendendo

faz tempo que a musica ressoou
no fundo da minha caverna
como quem instaura grama e azulejos
de um cinza parcimonioso instalado na parede.

você que fez da minha vida um muro de grafite,
e eu,
que te dei essa concesão
para esse ato de amor,
para essa invasão.

e agora,
a cidade que escorre cinza por volta de mim,
pedindo,
mas com cuidado,
um pouco de cor.
não é o só o outro que me pinta.
sou eu que existo.

domingo, fevereiro 16, 2014

heras



da nossa vida eu não sinto falta.
mas não sei por que
ainda sinto falta
de você.

ali

sei da ausencia,
perfeitamente.
decorei esse estado
entre todos meus dentes.

anseio a presença
como uma adolescente.
como algo em mim
que quer persistir tola
e improvável.

nesses tempos de secura e maturidade,
o gosto torto do amor,
vem desamparar as certezas.

sábado, fevereiro 15, 2014

pela nudez de todas as coisas.

na hora agá viu que não existia hora agá. e aí com a tomada na mão, os três fios coloridos e aquela desesperança adestrada que só se vê nas grandes cidades.
nenhum mar vinha mordiscar seus dedos,
nenhum bicho atazanar sua pele,
nenhuma surpresa.

esse comichão suave que tomava seu coração.
não sabia se era os efeitos retardatários da droga de ontem
ou alguma espécie de saudades.

se porventura anotava um telefone num papel,
no primeiro deslize suas mãos o trituravam,
distraidamente.

ali onde gosto nenhum chegava,
uma certa ânsia por refrescos tópicos.
gim, sexo, açucar, narcisismo.

naquele lugar
praia nenhuma inventada paz.
o murmurio constante dos carros na rua
fingiam algum tipo de coêrencia.

os cartões de crédito ou débito
a nova invenção do marketing
o branco mais branco.

a estupidez proliferava,
cada vez mais parecida com o silêncio.
ninguém ouvia mais nada.

no meio do desespero era dificil sentir o desespero
no meio do desespero era dificil sentir 
no meio do desespero era dificil 
no meio do desespero 
no meio 
nu.






domingo, fevereiro 02, 2014

nilo

(egito que me pareceu uma boa palavra pra começar um texto. eu, que já me perdi, não vou me comprometer a escrever um texto. escolher palavra por palavra, ou só soltar a mão enquanto quase pensa,)

como dançar e é tão dificil dançar
e deixar uma mão avulsa talvez morena
conduzir seu corpo sem jeito.

a mão. tento a adivinhar entre minhas costelas.
de vez em quando a perco. não sinto.

(se é pra ser astrologa curandeira no meio de muito mato
ou estudar o labirinto da historia numa cidade espanhola
ou ainda voar nas vertigens do capital na cidade do capital.
vou para bahia.
lá, entre águas bem claras, companhias e algas marinhas
talvez essa mão que anda meio mole
assuma essa dança.)

o mundo é tanto,
e minha vontade tão pouca.
fica uma saudades
ocre,
viva,
no fundo da garganta.

aproximo aproximo lentamente.
como quem tateia sons no meio da mata.
aproximo sem saber de quem ou que.
na espera de que ali no além tenha o algo
que sequer eu sei precisar querer.

e quero.
e vivo.
e a vida imensa chega mansinho sobre meus pés.
ou come minha cara como uma pantera.

foda-se.
vou terminar esse texto como comecei.
num descompromisso necessário
com qualquer coisa que não seja oceano.

terça-feira, janeiro 28, 2014

lago



Depois do jantar, com o beiços engordurados, abriu o envelope. As fotos caíram escancaradas. Nada ali era óbvio. O recorte do ombro revelava antigos desenhos. A lembrança de uma nuvem que passou rápido demais. Uma pinta no nariz desdobrava todo um mapa complexo do seu corpo, constelações infinitas, estrelas sem nome. Nada ali era óbvio. Ali não havia o que da mulher sucita sua besta fera. Ali a maldade era maior. O seu cabelo caindo a direita mexia nos torrilhões do dentro de dentro. A beleza dela movia sua escuridão mais bem guardada.
Toda mulher antes de morrer deve ter sido muito boa e muito má. É importante que tenha cruzado esses caminhos. Todo homem antes de morrer tem que homenagear precisamente uma dessas mulheres.
O plano se traçou rapidamente em sua cabeça. Riu pateticamente do piano encostado num canto escuro. Riu da sua ingenuidade, riu da falta de fibra, da falta de horror que havia naquele instrumento. O som do piano era muito claro. Imaginou cartas, textos, meramente desenhou frases. Elas pareciam poucas. As palavras se tornaram opacas.
Ele então passou as mãos nas coxas. Dos joelhos em direção a barriga. Lentamente. Uma, duas. Três vezes. Ouviu o som do tecido sibilando. Sentiu o calor aflito do atrito na palma. Trocou o teso das pernas, pelo duro dos dedos.
Pegou a chave num átimo e partiu.
No número 349 ela já esperava por ele. Esperava vestida, guardando segredos. Esperava sutil, mansa. Esperava com suas pintas e os mil nomes ainda a ser dados, conquistados, devorados. Esperava como uma mulher boa, como uma mulher má, como uma mulher antes de morrer pode e deve esperar alguém.
Ele olhou profundamente para ela. Ele lançou seu olhar escuridão obscena do desejo, febre. Ele lançou seu olhar calor fluido do amor, temperatura. Ela recebeu tudo aquilo inteira. Soube se deixar abater sem cair. Ele começou a beijar ela ali mesmo. Não havia mais nada a ser feito. Essa seria sua última homenagem. Ele beijou com calma, porém voracidade. Pegou seu corpo com todas as palmas de todas as mãos, sem machucar. Ele conheceu a luminosidade estranha do plexo, o labirinto das costelas. Conheceu a calma furiosa dos cabelos. A delicadeza despudorada dos lóbulos. Se embrenhou nos dedos da mão. Fez da curva da coxa com a bunda uma esfinge. Trocou olhares com os joelhos. Percorreu a língua pela coluna, praia imensa, mar infinito. Sentiu seus dedos, seu corpo, seu eu, agora já sem nome, batendo água na areia, ritmo, chamando, chamando. Sentiu ela respondendo, terra, pulsar denso. Imagens vinham de todos os lugares da casa secundar os gritos, a lua gemia baixinho, o ar pesava suores.
Em algum momento tudo aquilo passou. A mulher viu o homem. Tocou seus ombros fortes que logo antes a amparavam. Olhou seu pau melancolicamente alegre. O seu suor na nuca. Ela olhou para aquele homem que pela primeira vez a transportara para esse antilugar em que estão ou estarão ou já estiveram, alguma vez, todas as mulheres do mundo. Ela olhou para ele e viu um menino. Ele já dormia. Imbuido de algum tipo de paz. Ela deu um beijo no seu entreolhos e fechou os seus próprios.    Enquanto dormia sonhou que era um lago. 

domingo, janeiro 26, 2014

veludo

me inundo
me inundo
me inundo
de um vazio

tudo grita
tudo grita
tudo grita
um silencio

eu olho
eu toco
existo
num aqui
estranho
e verde

silencio

as palavras que não escrevi nessa viagem me inundam.
enchem meus olhos de silêncio,
minhas mãos de quietude.

as palavras que vivi e não disse,
pensei que passariam por mim,
como o tempo passa,
assim como as coisas passam.

mas as palavras ficam.
como ficaram as pessoas,
as cores,
e os cheiros.

não em algo que lembro.
não em algo que falo.
não em algo que grito.
mas sim,
mas sempre,
no algo
que sou.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

ali ou acá

certas tardes guardam acolchoados por baixo do seu exaspero de nuvens um por do sol vermelho sangue.
isso só se suspeita pelos tons de repente claros, de repente rosas, nuances delicadas, sutilezas.
Sinto que nada para.
Nem aqui
nem em lugar algum.
Sinto os segredos, os fluxos,
os des-co-nhe-ci-men-tos.

Sinto dentro das saudades o afeto eclodindo em cores,
sinto dentro de todas as coisas
outras coisas se escondendo
ou mostrando=se
nuas e serenas
cristalizadas
antigas
efêmeras como também a chuva.

Dentro do que existe dentro,
se esgotam mil possibilidades
até se encontrar,
perdoe drummond,
a polpa deliciosa do nada.

e aí então,
o invísivel,
que sem ter palavras ou forma,
é o que sempre buscamos.




quarta-feira, dezembro 18, 2013

voo alto

nudez é um pássaro voando muito alto.
é um mar
uma lagoa
uma praia ensolarada
dependendo da nudez.


nudez é um carinho,
e uma paisagem.
é uma brancura repleta uma negritude discreta
uma morenice em ponto de tirar do pé.


nudez é um jeito de ser.
um jeito de esquecer das palavras.
que são coisas, que são simbolos, e suposições.

nudez é a mais completa sinceridade.
é o que no fundo somos
aptos a esconder.

nudez é esquecer o nome. o seu próprio nome.
e ser-se em pássaro
o seu corpo em vida.

segunda-feira, dezembro 02, 2013

agora

ali onde o silêncio faz a curva,
a vida começa
ou acaba.

a ausência de um nome
enche as bochechas de ar
querendo ter algo a que se chame.

a mente anseia por imagens,
repetidas que sejam,
para passar entre os dedos.

o som anseia por verbo.
o corpo por ação.

o passado ama o passado.
o futuro pré ocupa.

o presente sentado,
sorri gordo,
como um buda.

enquanto tudo persevera sem nome,
a vida ocorre.
perceber é deixar de viver um pouco.
sentir é viver com tudo.

sexta-feira, novembro 22, 2013

8

o tempo passa 
e de repente toda aquela água
evaporou.

pra lá de lá de novo era

tem um gosto que me persegue.
uma ideia
colada atrás da vertigem.

é dificil fixar o olho
no meio do rodopio.

a caixa do diafragma
não se acende com fósforo.
puxa o ar firme
e faz milagre.

a carne ri
quando se derrete
no curta circuito dos sentidos.

os olhos voam
só quando acreditam no impossivel.

estar aqui e saber
pesa o corpo a medida do penhasco.
saber e aqui estar
é apropriar-se da altura imponderável.

mutável

tudo o que me cola aqui me cansa. as coisas aqui são densas demais. demoram dias, meses, para se mudar algo de lugar.
demora uma vida inteira para que algo possa de fato se curar.

eu me identifico mais com as bolhas de sabão.

ines

o silêncio é uma bomba de suor. pressionando linfa maré adentro. nada como então, encher os pulmões de grito, e sair cantando às marginais dos rios e canais.






é só bobear que essas imagens tingem o céu da minha cabeça. antes de dormir quando os pensamentos tomam qualquer forma, as nuvens se transformam nesse circo itinerante. nessa cara de elefante.

é com pesar e saudade que tomo esse impulso com os pés.
de sair do lugar
sempre.
e partir/chegar/
essa musica que adoro/escuto agora
tenho vontade de ser/mandar/

é uma fantasia boa,

é um prenuncio de vida.
é uma sugestão.
uma boa sugestão.

é uma nuvem em forma
de algo lindo/em movimento.


mangarosa

Você sabe o cheiro da solidão?
Quando ele me perguntou isso ele me pareceu o cara mais sozinho do mundo. E eu fiquei com vontade de pousar minhas mãos juntas na sua cabeça, como se um passarinho pousasse ali entre nós.
Eu tive vontade de estalar seus dedos.
Sei o cheiro da minha solidão. É cheiro de horta logo depois que chove.
Ele sorriu cheio de uma ternura estranha. E me pareceu o cara menos sozinho do mundo.
E eu fiquei com vontade de pegar a minha mão na dele. De dar um beijo pequeno na parte de cima da sua orelha. De olhar fundo no olho, e depois parar.
Ali nós dois éramos duas frutas meio verdes meio maduras. Se olhando entre os açucares, cascas e cores. Ali o gosto do agora adubava algo que era o entre. O ar entre. O pomar.
É aí que tudo acontece.
No intervalo entre duas frutas existentes.

segunda-feira, novembro 18, 2013

tudo ou saudades ou aqui


é como se eu não tivesse casa.
(eu não tenho casa).

é como se eu fosse um tubérculo brotando na geladeira.
(eu sou).

sem terra, flutuando no espaço,
perseverando raiz contra a dureza aguda do ar.

é como acordar para um mundo sem mar.

também tem a vantagem que é bem mais parecido com voar.

uma desconexão profunda com tudo
que dá até uma alegria engraçada,
uma cócegas no pé.

algo como a certeza que sobrevêm nos países estrangeiros
de que tudo é uma bobagem.

o riso frouxo de quando tudo dá errado
ou certo
ou azul.

no mais são tudo ondas, ou brisas, ou flores.
pequenos momentos do tempo,
que falam do eterno
morando no presente.

quarta-feira, outubro 30, 2013

água

aqui nessa casa nova, nesse corpo.
aqui nessas paredes brancas,
nesse teto,
nesse chão.
as novidades são ouvir o som da lona retesando contra a parede,
a poeira toda que ainda não tirei,
os sons dos outros,
e os meus.

já gosto de várias coisas.
das duas prateleirinhas que inventei,
dos quadros colocados,
dos florais.

faltam as flores.
deixei as plantas na outra casa.
falta as que mais gostei,
do gengibre que cresceu sozinho a partir de si mesmo
e virou um matão.
do manjericão floresta,
do hortelã que renasceu.
da arruda que afasta,
da salsinha que esbanja,
do morango que nunca nasceu,
da alface escondida,
do oregano fresquinho,
da espada corajosa,
do cidreira nunca tomado,
da melissa murchita,
da camomila anfitriã,
da cabolinha meio metida,
da sálvia melindrosa,
da abobrinha morrida,
do pimentão árvore-quase,
da palmeira sementeira,
da begônia que foi presente.

dessas plantas que criei, junto e separado,
da pouca alma que fui dando,
e que a lu deu também,
das gotinhas,
viradas em floresta da mais águada.
sempre que me faltam as palavras,
me falam o que há de restar,
processo, afeto, crescimento, tempo, praga, água, sede.

algo que sempre acaba, para outro algo começar.


sexta-feira, outubro 11, 2013

tango n. 6

A calma de casa o acalentava. O modo como os móveis se revestiam de silêncio. O copo em cima da mesa. Não sairia dali até que o tirasse. A poeira se acumulando, primeiro nas quinas, depois nos discos, nos livros, na mesa. Dominando a todos lentamente, como apenas uma mulher faria. Denunciando o tempo, a morosidade do tempo, a letalidade do tempo.
Pensava banalidades como essa, olhando para a marca escura da poeira no seu indicador, quando sentiu o primeiro vestígio da saudades.
Esse estágio se assemelha ao gim. Cheiro de perfume, promessa, azia. Se você estiver atento pode até ouvir o chacoalhar discreto do gelo batendo no copo.
Lembrou dela e logo em seguida se deu conta de que não ligava. De que não era dela que sentia falta. Aquele última ela, com seus gritos, suas burrices, sua traduções equivocadas de tudo o que ocorria. Dela não. Sentia falta da segunda pessoa da conjugação.
Tu.
Era de tu que Elias sentia falta. 
Estava farto do eu. O eu e seus problemas, ordenados por grau, gênero e parentesco. Os grandes problemas, os traumas, ver seus pais trepando sem amor, e se lembrar, descobrir aos 32 anos que seu nariz é torto, que você Elias, não sabia até os 32 anos que era um homem de nariz torto. Os pequenos problemas, o café, que como um ditador anão demanda sete minutos do seu tempo, e às vezes fica forte demais, ou fraco demais, e se você se distrai com qualquer coisa, outros sete minutos de qualquer alegria como um pássaro pequeno, uma alegria pequena, que pousa no beiral da janela, e você se deixa levar por suas penas, pelo seu toque delicado no azulejo, e de repente o café está frio e a vida está um pouco pior.
Também não suportava mais os elas e eles. Os eles e elas da rua. Os eles e elas do trabalho. Os elas e eles do restaurante, da rua, do supermercado. Eles, com suas camisas passadas. Quem passará suas camisas? Ou eles mesmos passam? Ou tem alguém que os ama com o amor devoto das camisas passadas, ou eles mesmo se amam tanto a ponto de terem esse exímio grau de concentração, determinação e limpeza. Elas. Com seus cheiros. Seus cabelos furta cor. Por que todas as mulheres da rua passam com seus cabelos chapados? Seus cabelos anestesiados, sem as marcas rudimentares de uma vida qualquer vivida com prazer e dor.
Entre outras pessoas verbais mais estranhas ainda ele ansiava pelo tu. Procura-o naquele tarde de sol esquecido entre os discos de Marília Medalha, tango e Caymmi. Ansiou, com o menino que vivia dentro de si, ter um tu para cantar sombreando entre a nuca "tu me acostumbrastes". Para mostrar escondida entre as pregas da mão a tão esperada primeira pitanga. Para rir de seu ventre, esconder-se de suas unhas, chegar no último derradeiro delírio bem perto do lóbulo de suas orelhas.
A poeira o entregara a um tempo de bocejo e solidão. O telefone guinchando o retirava.
Era Joana. Chamava para o show do amigo da amiga dela. Ele ia. Sabia que ia. Algo nele já sabia o que dizer,  o que fazer, e dizia. Combinava com ela o horário, o lugar. Algo nele previa, e imaginava detalhes práticos. Ele ouvia sua própria voz falar, sentia o fluxo constante e pequeno das tomadas de providência. A voz elétrica no telefone, até se transformar em silêncio. Na sala quase vazia ele não reconhecia. Retumbava os últimos ecos de sua voz como uma ficção distante, com a qual não se misturava. O rosto de Joana perpassava sua mente. O seu próprio rosto. Não se reconhecia. Nem lembrava mais o som, o gosto do seu próprio nome. Apenas o silêncio. Enquanto olhava atentamente a marca de poeira no seu indicador. 


quarta-feira, outubro 09, 2013

des equilibrio

eu sinto cheiro da sua dor acossando, bufando, farejando a minha presença com fome.
você sabe quando eu chego
quando eu estou cheia de amor
quando eu estou vazia.
você sabe e fareja meu silêncio
como um cachorro faminto
cínico com sua própria fome.
você sabe manobrar entre os dedos
os títeres trocados das noites vazias.
você sabe contar nos dedos.
você saber cuidar,
ou fingir,
você sabe fazer amor,
ou ódio.
você sabe tanto
e é tanto o que não sabe.

terça-feira, setembro 24, 2013

j.

te procuro ao largo da minha própria vida
que me olha distante
de cima do mini bar.
junto com um camelo e um buda e dois gatos e um porco e duas pedras e uma lamparina e incensos.
minha vida calada, nua. mulher gato. passeando pela cidade num domingo a tarde.

j.
te sinto tanta falta.
por que sinto que com você consegueriamos tatear a expansão do som em luz.

j.
te gosto tanto.
e no entanto tão logo você chega
tudo estanca
num ar violento correndo entre duas janelas fechadas.

quero ir para marte contigo
sentir o gosto de perigo
e peixe cru.
sentir o oposto do mar
e a distância côsmica
do viver
em vida.

quarta-feira, setembro 18, 2013

las kening

era manhã, 
de agasalho e vontade de continuar sonhando, 
quando eu o vi pela primeira vez ali. 
estavam todos agasalhados. pálidos. esforçados de ir discutir ideias, quando na cama se prometiam histórias infinitas. 
acho que ninguém sabia. exceto eu e ele. 
não sei como ele acabou ali. acho que já sabia da minha presença, devia saber. 
não pareceu surpreso. como eu, quando o beijei na têmpora e continuei os cumprimentos tremendo por dentro. 
me sentei 
e inventei no ar entrando e saindo algum tipo de calma.
olhava para ele em intervalos regulares. 
o vira na vida poucas vezes. e no entanto ele tinha um encanto, 
um medo. tinha um jeito de mitologia. 
vi seus cabelos rareando. 
sua mão forte.
seu agasalho azul
que depois tantas vezes repetiu.

sei que ele também me olhava.
nunca ao mesmo tempo,
nosso olhar nunca se encontrava
num suspense 
que poderia ser confundido com a secura do ódio.

eu não o odiava.
ele nunca fez nada de mal para mim.
eu tinha esse fascínio infantil,
de querer entender os seus loiros mistérios.
sua presença,
seu cheiro,
sua capacidade de amor.

comecei a ajeitar meu cabelo,
de um jeito bonito.
queria cantar esse estranho dueto.
fechei meu casaco,
me servi de café.
fui sendo,
dando a chance também de ser completo mistério,
essa inexplicável conjunção de atos e magnetismos.

virei meus olhos rápidos.
nossos olhos se encontraram.
nenhum de nós era de virar os olhos
e sustentamos alguns segundos.
.
não foi preciso dizer nada.
ali,
já nos dissemos tudo.

uma voz alta nos tirou do instante.
alguém terminava um poema de borges: 


FINAL DEL AÑO

Ni el pormenor simbólico
de reemplazar un tres por un dos
ni esa metáfora baldía
que convoca un lapso que muere y otro que surge
ni el cumplimiento de un proceso astronómico
aturden y socavan
la altiplanicie de esta noche
y nos obligan a esperar
las doce irreparables campanadas.
La causa verdadera
es la sospecha general y borrosa
del enigma del Tiempo;
es el asombro ante el milagro
de que a despecho de infinitos azares,
de que a despecho de que somos
las gotas del río de Heráclito,
perdure algo en nosotros:
inmóvil.